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sábado, 23 de junho de 2012
texto da intervenção de Catarina Martins
Quando tudo corre mal temos de reconhecer que não é um acidente. É um propósito. Com um ano de Governo PSD/CDS tudo na cultura corre mal: a Rede Portuguesa de Museus está parada e os museus e monumentos sem pessoal, bibliotecas sem orçamento para aquisições mesmo sem bibliotecários, os teatros e equipamentos municipais de cultura em risco de fechar portas, estrangulados pela legislação sobre as empresas municipais e pela Lei dos Compromissos. O Alto Douro Vinhateiro em vias de perder a classificação como Património da Humanidade. Portugal não teve representação oficial em Cannes ou Berlim. Na criação artística este Governo não conseguiu cumprir uma única lei nem abrir um único concurso. Para cinema, teatro, dança, música, artes plásticas o Governo fez de 2012 um ano zero. Sobre estatuto profissional das artes e proteção social, embora esteja no seu programa, nada fez e a situação deteriora-se com desemprego e subemprego galopantes.
Se tiramos os olhos do setor profissional da cultura e olharmos para o trabalho voluntário e amador, das coletividades e associações, o panorama não é melhor. Com a subida da taxa do IVA da eletricidade, as taxas da IGAC e os cortes nos apoios autárquicos, é quase impossível manter mínimos de atividade. Olhamos para a televisão, a única janela de tantos e tantas, e vemos a mais pobre Televisão Digital Terrestre da Europa. E na articulação com a educação, a promessa tantas vezes repetida, as notícias são as piores: acabou a Educação Visual e Tecnológica nas escolas, as comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo deixam de ter aulas de português e o ensino artístico está a ser forçado a aumentar o número de alunos por turma e a uniformizar-se a um ponto que a arte fica à porta da escola.
Muitos destes problemas vêm de trás. Muitos são novos. Em todos os casos, a mesma inação. A prometida transversalidade de um Secretário de Estado da Cultura revela-se afinal uma transversal nulidade.
Não por acaso, é no Porto, com um executivo camarário PSD/CDS, que a ação cultural mais conhecida da autarquia é o entaipamento: Rui Rio fechou 3 vezes uma escola e 2 vezes uma biblioteca, sem construir qualquer alternativa.
Não é um acidente. É um propósito. E parte de duas premissas e duas omissões. As premissas são que a arte pode viver do mercado e que a cultura, a servir para alguma coisa, será para o turismo cultural. Sobre a arte e o mercado, cito a frase de um amigo, Jorge Palinhos, que diz tudo: “a criação artística só por si é a esperança, a criação artística submetida às leis do mercado são bibelots produzidos em série.” O Governo que não percebe a diferença entre arte e indústrias criativas, ou ciência e tecnologia, percebe muito pouco do que quer que seja. E acaba a matar as galinhas dos ovos de ouro: sem setor nuclear da cultura – arte, património, investigação – não há indústrias criativas ou quaisquer outras. Não há também com certeza turismo cultural, que alimenta boa parte do PIB europeu e português. Sim, a cultura alimenta o turismo, mas a cultura não é um bibelot num expositor.
Chegamos pois às duas omissões deste governo: que a cultura é cidadania e que é viva. O acesso à cultura, aquele direito que está na nossa constituição, não é um conceito vazio. É a capacidade que cada um e cada uma têm de ter acesso à criação artística e ao património cultural, como espetador ativo e como criador informado. E é uma capacidade que não é para uma ou duas gerações, ou para um ou outro local do país, para quem pode pagar ou dar-se ao luxo de. É um acesso universal, de todas as gerações, de todos os locais, de toda a gente. A primeira consequência da falta de políticas públicas para o acesso à cultura é o cavar das desigualdades; territoriais, geracionais e, muito especialmente, entre quem paga o acesso ao conhecimento e quem não pode pagar. E cava também o fosso entre povos; entre os que são capazes de construir o seu futuro e os povos colonizados. É através da arte e da cultura que conhecemos o mundo em que vivemos e através delas que o desenhamos. Um povo que não conhece as suas histórias e não as constrói e um povo sem futuro.
O único estudo sobre a participação cultural em Portugal, feito pela Comissão Europeia em 2006, diz-nos que 2/3 da população portuguesa não tem acesso à cultura. Os números do INE sobre bilhetes e entradas mostram que hoje não estamos melhor. Muito pelo contrário; um estudo sobre cinema recentemente divulgado dá conta da perda de espectadores, provocada pela crise. 2/3 da população sem acesso à cultura. Um gigantesco atraso estrutural. Nenhuma crise será ultrapassada enquanto a Cultura não for uma prioridade nas políticas públicas.
Ao Estado não cabe dizer o que é a cultura de um povo. Um povo nunca é um, são muitos. E é com todo o mundo. Ao Estado cabe assegurar as condições de fruição e criação cultural. Não é nenhuma novidade, nem nada de muito estranho. No São Luiz reuniram-se pessoas com experiências muito diversas, de diferentes gerações e de diferentes áreas da cultura e da política, para levantar questões e construir proposta. Sei que teremos certamente ideias diversas sobre vários assuntos. Mas julgo que nos une a afirmação comum de princípio e que é essencial: cabe ao Estado desenvolver políticas públicas para a Cultura. Com estratégia e orçamento. A aparente omissão deste Governo é ação; ação destrutiva. Os que se reuniram em torno da afirmação de “cultura e futuro” constroem.
sexta-feira, 22 de junho de 2012
texto da intervenção de António Pinto Ribeiro
Amigas e amigos
Vivemos um enorme mal estar neste país. O desemprego assola por todo o país, vivemos uma crise política, vivemos num estado de tristeza e de desorientação social. Os sectores culturais no qual se incluem muitos dos protagonistas do universo artístico, científico, intelectual sentem duplamente este mal-estar. Sentem-no por todos aqueles que estão também eles no desemprego, por todos os que ficaram com o seu processo de criação e de produção interrompido, por todos os que ficaram sem meios nem apoios para sobreviverem com a dignidade que é merecida a todo e qualquer cidadão. E sentem-no também porque é suposto que esta comunidade do sector cultural alargado tenha uma consciência crítica do que se passa com os seus vizinhos, os seus concidadãos, nos seus territórios de trabalho e de vida bem como nos territórios dos seus amigos, familiares, conhecidos. Sentem-no e quase sempre calados ou inactivos, com um misto de dor, de zanga, de impotência mas também, creio, de revolta.
Depois de ao longo de trinta anos se ter construído um sector cultural que praticamente não existia, se terem construído infraestruturas algumas âncoras culturais das regiões, embora outras nem por isso, mas que aí estão para serem utilizadas e potencializadas, se ter criado sempre com o mínimo dos recursos uma história artística e cultural, um património de novos conhecimentos e um conjunto vastíssimo de obras de culto, eis que uma falta de preparação para os cargos governativos associada a uma agenda neo-liberal que privilegia a massificação, o mau gosto e se opõe diariamente a toda a produção cultural que seja crítica começou a destruir todo este capital tanto real como simbólico.
Responsabilizar o sector cultural por gastos despropositados não só é demagógico como é irracional. Na verdade, a escolha não está entre investir na cultura ou aumentar o subsídio de desemprego ou o salário mínimo ou encerrar hospitais. A escolha está, em primeiro lugar, em advogar por uma outra economia à escala europeia com consequências nacionais. Por consequência, a opção não está entre investir nestes sectores ou insistir na compra de submarinos, abrir excepções permanentes nos salários de gestores das empresas onde o Estado participa, ou, de um modo ainda mais correcto, não fazer participar o sector cultural numa economia que não se regule pelo etnocentrismo das finanças e por um autoritarismo do Estado executado a partir de instrumentos financeiros. Porque a decisão da desvalorização da actividade artística não é financeira, ela é política e é da responsabilidade ideológica do Senhor Primeiro Ministro.
Esta política neo-liberal aplicada à dimensão cultural e associada à grave impreparação cultural de quem a tem posto em prática tem contribuído para o isolamento do país a cada dia que passa – um país mais ausente nas organizações culturais e artísticas internacionais, abandonando os territórios de disputa de influência desse “soft power” que são alguns sectores culturais, abandonando a internacionalização que uma política cultural de intervenção internacional abraçaria, isolando-nos, enfim, numa periferia pequena.
Apesar dos esforços e consequentes ganhos que muitos artistas, obras de culto ou investigadores têm alcançado nos territórios internacionais de intervenção, é por decisão do Governos que nós estamos, todos os dias, um pouco mais longe dos mundos a que importa pertencer.
Neste momento é imperioso que um secretário de estado seja substituído por um Ministério da Cultura que devolva a dignidade ao universo cultural. Que o Ministério da Cultura tenha um gabinete capacitado tecnicamente e com o mínimo de meios para a execução mínima de uma política cultural de emergência para os próximo três anos crendo poder afirmar que muitos dos profissionais do sector cultural se comprometem a estudar meios e modelos que viabilizem novos mecanismos de financiamento aos sectores artísticos que ou pela sua natureza minoritária ou pela sua vocação internacional exijam meios que só o Estado pode considerar. O mercado não resolve a maioria das situações relativas à criação e à difusão cultural bem como à maioria de formas de conhecimento. Alguma da sua eficácia depende das áreas artísticas e da natureza do projecto. Hoje o senhor Ministro dos negócios Estrangeiros congratulava-se com o sucesso de uma artista portuguesa que expõe em Versalhes. Era importante que o Senhor Ministro soubesse que a realização desta exposição pouco deve aos Mercados. Deve-o ao reconhecimento francês da artista e às Instituições e Fundações portuguesas que só elas facilitaram a realização da exposição.
Pensar a Cultura e o Futuro é em primeiro lugar reclamar pelo reconhecimento do sector cultural e da sua dignidade e profissionalização que o governo lhe merece e é depois disto pensar novas formas de sustentabilidade do sector através de novas formas de organização do próprio Ministério da Cultura e das suas Instituições, é pensar na produção artística em modelos de comparticipação mais activa de múltiplos intervenientes, é pensar em como comunicar melhor o que pode ser comunicado para que mais cidadãos se tornem espectadores, ouvintes, leitores, espectadores e assim constribuam para a sustentabilidade do acesso às diversas formas de expressões culturais para os cidadãos. É um compromisso a levar a cabo por duas partes.
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